Wednesday, October 03, 2007

Porque há histórias boas demais para não serem contadas

Recebi há umas semanas por correio uma convocatória para estar presente hoje no Departamento de Investigação Criminal da PSP. Como não referia nenhum motivo, fiquei curioso. Não me queixei de ninguém nem fui testemunha de nada logo, por exclusão de partes, só podia ser uma queixa que alguém fez de mim.

Chegando lá, depois de estar meia-hora numa sala de espera, chamaram-me para um gabinete onde me sentei frente-a-frente com uma inspectora de ar simpático que não era mais velha que eu. Mostrou-se bastante acessível e sempre na brincadeira com bocas do género "hoje já não sai daqui", "este aqui na foto do BI não é você, pois não?" ou "é melhor telefonar já ao seu advogado". Depois de me tentar fazer adivinhar porque razão eu estava ali (sem sucesso, claro) lá disparou:

- Então e meter gasolina sem pagar? Alguma vez fez isso?

(Pois... Estava-se a ver... Mais cedo ou mais tarde lá teria de acontecer...)

- Bem, julgo que não... Mas não lhe consigo dar certezas... Eu sou um bocado distraído, sabe? Já efectuei pré-pagamentos e depois saí sem abastecer... Já me esqueci de tampões de depósito em postos de abastecimento... Coisas assim... Esquecer-me de pagar é uma possibilidade que eu até admito que tenha acontecido.

- Pois... Estou a ver...

- Tem piada que a primeira coisa que minha mulher me disse quando lhe contei que recebi esta convocatória foi "Ah, isso? Deves ter-te esquecido de pagar um abastecimento qualquer!".

- Ah foi? Tem piada, isso... Parece que ela o conhece bem, hã?

- É...

Disse-me então logo a seguir a Inspectora que a situação terá acontecido no dia 24 de Junho numa bomba de gasolina na Charneca da Caparica. Pareceu-me plausível. Era Domingo e eu quando vou para a praia meto-me sempre ali pelo meio da Charneca. E lembro-me de ter abastecido para essas bandas pelo menos duas vezes durante este Verão.
Mostrou-me ainda uma foto sacada de uma daquelas câmaras de vigilância onde se vê claramente a parte da frente frente do meu (presumível) carro ostentando a minha matrícula. Às tantas perguntei-lhe:

- Então e diga-me cá: suponho que o abastecimento tenha sido de 20 euros, certo?

- Errado... Tenho aqui a cópia da factura. Foram 30 e muitos litros de combustível o que dá 39 euros e qualquer coisa.

- Ah, então olhe que não fui eu.

- Não? Porquê?

- Porque eu tenho a mania de abastecer sempre com 20 euros (salvo raras excepções em que meto 10 euros ou que atesto o depósito).

- Pois, mas isso agora é o que você diz... Como é que eu sei se isso é verdade?

- Pois, isso agora acho que já é mais a sua área... Mas olhe, já agora... A senhor disse
"30 e muitos litros de combustível o que dá 39 euros e qualquer coisa"?

- Exacto.

Pedi-lhe para ver a factura. Ela deu-ma. Não consegui evitar rir-me.

- Olhe, agora já posso garantir-lhe que não fui eu.

- Então?

- É que o combustível abastecido foi gasóleo. Se eu tivesse posto isso no meu carro não tinha saído de lá. O meu carro é a gasolina.

- Ah... Estou a ver... Bem, sendo assim arquiva-se já o caso. Foi matrícula falsa.
É muito comum hoje em dia em bombas de gasolina e portagens. Tem aí o livrete para comprovar que o carro é a gasolina?

- Tenho, sim senhora.

Dei-lhe o documento e ela saiu da sala para tirar uma fotocópia. Não demorou mais que dois minutos a regressar. Mas sempre deu para pensar um bocadinho...

- Obrigado, senhor Bruno e tenha uma boa tarde. Peço desculpa pela maçada mas sabe como é...

- Mas olhe lá... Essa história é estranha. Não me parece que seja matrícula falsa.

- Não? Então porquê?

- Porque essa geração de Hondas Civic que está na foto não tem versões a gasóleo.

- Não tem? Tem a certeza?

- Não, não tem... Eu tenho um. Conheço as motorizações.

- Então é esquisito...

- Pois... A única forma disto tudo bater certo era eu ter abastecido para dentro de um reservatório qualquer guardado na mala do carro...

- Desculpe???

- Sim, não quer dizer que o abastecimento tivesse de ser feito para o depósito do automóvel. Podia ser para outro reservatório qualquer.

- Pois... Suponho que sim... Então mas nesse caso não posso arquivar isto...

- Exactamente... Podia muito bem ter sido eu... Isso do motor a gasolina não prova nada!

- Mas espere lá! Então mas o senhor está-me a dar argumentos para não arquivar isto e continuar a tê-lo como suspeito?

- Eu já lhe disse que não fui eu. Agora já só estava mesmo a constatar o óbvio.

Eu acho que a esta altura a jovem já não sabia bem o que é que havia de fazer. Às tantas levantou-se e entrou no gabinete em frente ao dela. Cinco minutos de conversa depois lá voltou.

- Senhor Bruno...

- Diga, diga...

- Então, se bem entendi, este carro nunca poderia ter abastecido gasóleo, certo? Independentemente de ser o seu carro ou não.

- Exacto!

- Então mas o que é que o senhor acha que aconteceu?

- Das duas uma, ou tiraram a foto ao carro errado e nesse caso esse é mesmo o meu carro ou então tiraram a foto ao carro certo com matrícula falsa e o gasóleo foi levado sabe-se lá onde... Mas eu ia mais pela primeira.

- Bem, mas diga-me cá: não foi você, pois não?

- Não fui eu, não.

- Pronto. Arquiva-se na mesma. Deixe-me que lhe diga que já levo uns anos disto e o senhor foi o único suspeito até hoje que, deliberadamente, se incriminou a ele próprio.

- Então mas isto funciona assim? Eu chego aqui, digo que não fui eu e a polícia acredita e arquiva o processo? Eu julguei que as coisas não funcionavam bem assim. Julguei que a palavra do acusado não era assim tão tida em conta.

- Sabe que isto também nos ensinam a confiar no instinto.

- Pois... Estou a ver...

- Desculpe lá a maçada mais uma vez e boa tarde.

- Adeusinho...



E pronto. Foi isto. Assim sem se perceber bem porquê este processo foi arquivado com o motivo "matrícula falsa". Pensando bem, é reconfortante saber que, no que concerne à polícia, existe um outro Honda Civic igualzinho ao meu com a matrícula falsa a circular por aí. Amanhã vou para a Figueira da Foz e acho que vou abastecer e sair sem pagar. Ah! E vou passar na via verde sem ser aderente, também! E quando me convocarem outra vez basta dizer:

- Então mas os senhores têm um processo arquivado com a informação de que existe um carro igual ao meu com a matrícula falsa e ainda me andam a chatear com isto? Descubram mas é quem é o bandido, pá!

10 comments:

NAM said...

Então e afinal, aqui entre nós, foste ou não tu que meteste o gasóleo nos garrafões que costumas ter na mala?

bone daddy said...

Eheheheh... Isso agora só eu e o senhor a quem eu vendi o gasóleo a 0,90€ o litro é que sabemos...

Esmifra said...

epa.. preciso de abastecer o meu carro e o mesmo é a gasoleo...nao queres fazer de novo ?

Anonymous said...

Epah ao BU paga isso, sinceramente...
por falar em pagar onde é que estão os meus 2000€

Morning_Theft said...

Lindo!!! Só mesmo em Portugal!!! Já abríamos era uma barraquinha e vendíamos esse gasóleo! :p

lubalécio said...

LOL

Muito Bu, esta história!!!

O Bu é o género de pessoa que encontramos na rua e perguntamos onde vai, ao que ele responde -
"não sei, pá... e tu? Olha, vou contigo!"

AHAHAAA

Zebedeu said...

Esta merda parece um filme dos meus ... crl bU já te deixavas de me ter como modelo

bone daddy said...

Meu jovem amiguinho Zebedeu: o dia em que eu te tiver como modelo é o dia em que espero que a eutanásia já seja legal neste país. Isto porque no minuto a seguir vou pedir para que me desliguem a máquina... :p

Papoila said...

É o que faz sermos a geração CSI!Se fosse a ti, pedia era emprego à senhora. lol

Artur said...

Guarda mas e' o gasóleo durante mais um mês eu acredito que os combustíveis vão subir para o mês que vem, e assim fazes mais guita :)