Alguém dizia noutro dia que tinha saudades dos Radiohead antigos.
Sendo que Radiohead é a minha banda favorita em actividade (aquilo que os Pixies andam a fazer não pode ser considerado "actividade"), sinto-me compelido a escrever qualquer coisinha sobre o assunto.
Antes de mais há que constatar algo: os Radiohead são, neste momento (e já de há uns anos para cá), uma banda completamente endeusada por fãs e crítica especializada (algo bastante raro na história do Rock - normalmente quando o público gosta, a crítica não gosta e vice-versa). Como li há uns tempos já não sei onde, são a pequena maior banda do mundo. Não há hoje em dia publicação que não diga maravilhas da obra de Thom Yorke e companhia. Dos fãs então nem se fala: salas continuamente esgotadas em poucas horas, milhões de álbuns vendidos, milhares e milhares de T-shirts encomendadas online, etc. Os Radiohead nunca se renderam à megalomania de outras grandes bandas (que dão super concertos e gastam milhões em produção e vídeos), não falam nem expõem absolutamente nada acerca da vida pessoal de cada um mas, no entanto, todo o Universo sustém a respiração antes de cada novo álbum...
Qual é o segredo?
O primeiro álbum ("Pablo Honey") vendeu razoalvemente bem (muito por culpa do hino "Creep") o que levou imediatamente muita gente nesta altura a colar à banda o rótulo de "one hit band".
O segundo álbum ("The Bends") teve já uma aceitação muito aceitável por público e crítica, tendo sido unanimemente considerado um dos melhores desse ano. Aparentemente a fórmula estava encontrada: a voz de Yorke a soar melhor que nunca em canções simples e ultra melodiosas. Naturalmente (e quase imediatamente) os clones começaram a surgir. Muitas bandas começaram a sair das garagens e a assinar contratos discográficos usando fórmulas e registos vocais muito parecidos. Se nesta altura do campeonato os Radiohead não tivessem alterado nada, neste momento seriam apenas mais uma dessas boas bandas. Teriam certamente continuado a vender bem (o seu pioneirismo não seria decerto esquecido) e teriam todos muito dinheiro e sexo e fama e tudo. E as coisas acabariam bem para todos.
Eis então que os senhores de Oxfordshire fizeram "OK Computer".
Sobre este álbum já tudo foi dito e não vale a pena dizer mais nada. Torna-se num dos álbuns mais marcantes da década de 90 e faz a banda destacar-se ainda mais de tudo o resto. Finalmente o reconhecimento global e unânime era atingido e a banda fez recair sobre ela os olhares daqueles que até aí tinham andado distraídos. Mas quem eram aqueles gajos, afinal?
Com o estatuto de génios já adquirido e o seu estilo já completamente demarcada parecia que agora é que era. A fórmula era esta!
Mas, mais uma vez, Thom Yorke decidiu que não era bem assim. A música electrónica (até aí apenas levemente presente em "OK Computer") torna-se numa obsessão e, quase de uma assentada, surgem "Kid A" e "Amnesiac".
Apesar do romper quase a 100% com as origens, ambos os álbuns instalaram-se confortavelmente no 1º lugar dos tops de vendas de vários países espalhados por todo o mundo. Uns amaram, outros odiaram. Uns diziam que era arte pura, outros diziam que aquilo já não era Radiohead, que era esquisito demais. Mas ninguém lhes ficava indiferente. Afinal, apesar da maior parte das canções serem bizarras e quase totalmente electrónicas, quem é que podia ficar indiferente a temas como "Everything in Its Right Place", "Idioteque", "Pyramid Song" ou "Life in a Glasshouse"?
Dois anos volvidos e o equilíbrio parece ter sido encontrado com "Hail to the Thief". Mais músicas fabulosas num misto (de proporções quase iguais desta vez) de electrónica e guitarras. Seria este o amadurecer da banda? Estaria agora finalmente encontrada o canal através do qual Mr. Yorke comunica com as restantes pessoas? Eu pessoalmente estava convencido que sim.
Quando soube que este último álbum ia sair fartei-me de matutar acerca de como seriam as suas texturas e as suas formas.
Escusado será dizer que me saiu tudo ao lado.
Não vou dizer que adorei "In Rainbows" da primeira que o ouvi. Confesso que o achei esquisito e difícil de digerir. Como uma iguaria estranha que nunca se provou.
Mas, mais uma vez, Thom Yorke está à minha (nossa) frente. A inovação aqui assentou essencialmente nos formatos das músicas. Para quê refrões? Para as músicas entrarem mais facilmente nos ouvidos das pessoas? Para quê? Se tiverem de entrar entram e se não tiverem de entrar não entram. Não é esse o objectivo dos refrões na música popular? Um pedaço da canção que se repete de tempos a tempos e cujo objectivo é fazer com que mais facilmente nos lembremos dela?
Só posso dizer que neste momento estou absolutamente viciado e ainda não consegui ouvir mais nada desde que o álbum saiu. Parece que, contariando o senso comum, as canções ao não obedecer aos formatos padrão se tornam menos vulneráveis.
Em suma, brilhante!
Quanto à apreciação individual de cada uma das canções, nunca conseguiria fazê-la tão bem quanto esta.
E nem vou agora abordar a forma como este álbum foi editado. Até aí a inovação está presente. Sobre isso também já muito foi dito. Será tema para outro post um dias destes.
Voltando à ideia inicial que me fez escrever isto, aquilo que torna os Radiohead na tal pequena maior banda do mundo é justamente a capacidade de se reiventarem a cada momento. De surpreenderem. De nunca pensarem que encontraram a pedra filosofal. Do bom senso e da humildade de toda a banda em deixar sobressair o génio musical e as paranóias de Thom Yorke. De furarem através do mainstream com coisas tão pouco mainstream (pelo menos até à altura em que são editadas). E sempre nunca descurando aquilo que no fundo é o âmago da sua existência: as canções.
Eu não tenho saudades dos Radiohead antigos. Quando tenho saudades de ouvir "The Bends" ouço "The Bends". Como posso eu ter saudades sabendo aquilo que teria perdido se as coisas tivessem continuado sempre iguais?
Monday, October 22, 2007
Wednesday, October 03, 2007
Porque há histórias boas demais para não serem contadas
Recebi há umas semanas por correio uma convocatória para estar presente hoje no Departamento de Investigação Criminal da PSP. Como não referia nenhum motivo, fiquei curioso. Não me queixei de ninguém nem fui testemunha de nada logo, por exclusão de partes, só podia ser uma queixa que alguém fez de mim.
Chegando lá, depois de estar meia-hora numa sala de espera, chamaram-me para um gabinete onde me sentei frente-a-frente com uma inspectora de ar simpático que não era mais velha que eu. Mostrou-se bastante acessível e sempre na brincadeira com bocas do género "hoje já não sai daqui", "este aqui na foto do BI não é você, pois não?" ou "é melhor telefonar já ao seu advogado". Depois de me tentar fazer adivinhar porque razão eu estava ali (sem sucesso, claro) lá disparou:
- Então e meter gasolina sem pagar? Alguma vez fez isso?
(Pois... Estava-se a ver... Mais cedo ou mais tarde lá teria de acontecer...)
- Bem, julgo que não... Mas não lhe consigo dar certezas... Eu sou um bocado distraído, sabe? Já efectuei pré-pagamentos e depois saí sem abastecer... Já me esqueci de tampões de depósito em postos de abastecimento... Coisas assim... Esquecer-me de pagar é uma possibilidade que eu até admito que tenha acontecido.
- Pois... Estou a ver...
- Tem piada que a primeira coisa que minha mulher me disse quando lhe contei que recebi esta convocatória foi "Ah, isso? Deves ter-te esquecido de pagar um abastecimento qualquer!".
- Ah foi? Tem piada, isso... Parece que ela o conhece bem, hã?
- É...
Disse-me então logo a seguir a Inspectora que a situação terá acontecido no dia 24 de Junho numa bomba de gasolina na Charneca da Caparica. Pareceu-me plausível. Era Domingo e eu quando vou para a praia meto-me sempre ali pelo meio da Charneca. E lembro-me de ter abastecido para essas bandas pelo menos duas vezes durante este Verão.
Mostrou-me ainda uma foto sacada de uma daquelas câmaras de vigilância onde se vê claramente a parte da frente frente do meu (presumível) carro ostentando a minha matrícula. Às tantas perguntei-lhe:
- Então e diga-me cá: suponho que o abastecimento tenha sido de 20 euros, certo?
- Errado... Tenho aqui a cópia da factura. Foram 30 e muitos litros de combustível o que dá 39 euros e qualquer coisa.
- Ah, então olhe que não fui eu.
- Não? Porquê?
- Porque eu tenho a mania de abastecer sempre com 20 euros (salvo raras excepções em que meto 10 euros ou que atesto o depósito).
- Pois, mas isso agora é o que você diz... Como é que eu sei se isso é verdade?
- Pois, isso agora acho que já é mais a sua área... Mas olhe, já agora... A senhor disse "30 e muitos litros de combustível o que dá 39 euros e qualquer coisa"?
- Exacto.
Pedi-lhe para ver a factura. Ela deu-ma. Não consegui evitar rir-me.
- Olhe, agora já posso garantir-lhe que não fui eu.
- Então?
- É que o combustível abastecido foi gasóleo. Se eu tivesse posto isso no meu carro não tinha saído de lá. O meu carro é a gasolina.
- Ah... Estou a ver... Bem, sendo assim arquiva-se já o caso. Foi matrícula falsa. É muito comum hoje em dia em bombas de gasolina e portagens. Tem aí o livrete para comprovar que o carro é a gasolina?
- Tenho, sim senhora.
Dei-lhe o documento e ela saiu da sala para tirar uma fotocópia. Não demorou mais que dois minutos a regressar. Mas sempre deu para pensar um bocadinho...
- Obrigado, senhor Bruno e tenha uma boa tarde. Peço desculpa pela maçada mas sabe como é...
- Mas olhe lá... Essa história é estranha. Não me parece que seja matrícula falsa.
- Não? Então porquê?
- Porque essa geração de Hondas Civic que está na foto não tem versões a gasóleo.
- Não tem? Tem a certeza?
- Não, não tem... Eu tenho um. Conheço as motorizações.
- Então é esquisito...
- Pois... A única forma disto tudo bater certo era eu ter abastecido para dentro de um reservatório qualquer guardado na mala do carro...
- Desculpe???
- Sim, não quer dizer que o abastecimento tivesse de ser feito para o depósito do automóvel. Podia ser para outro reservatório qualquer.
- Pois... Suponho que sim... Então mas nesse caso não posso arquivar isto...
- Exactamente... Podia muito bem ter sido eu... Isso do motor a gasolina não prova nada!
- Mas espere lá! Então mas o senhor está-me a dar argumentos para não arquivar isto e continuar a tê-lo como suspeito?
- Eu já lhe disse que não fui eu. Agora já só estava mesmo a constatar o óbvio.
Eu acho que a esta altura a jovem já não sabia bem o que é que havia de fazer. Às tantas levantou-se e entrou no gabinete em frente ao dela. Cinco minutos de conversa depois lá voltou.
- Senhor Bruno...
- Diga, diga...
- Então, se bem entendi, este carro nunca poderia ter abastecido gasóleo, certo? Independentemente de ser o seu carro ou não.
- Exacto!
- Então mas o que é que o senhor acha que aconteceu?
- Das duas uma, ou tiraram a foto ao carro errado e nesse caso esse é mesmo o meu carro ou então tiraram a foto ao carro certo com matrícula falsa e o gasóleo foi levado sabe-se lá onde... Mas eu ia mais pela primeira.
- Bem, mas diga-me cá: não foi você, pois não?
- Não fui eu, não.
- Pronto. Arquiva-se na mesma. Deixe-me que lhe diga que já levo uns anos disto e o senhor foi o único suspeito até hoje que, deliberadamente, se incriminou a ele próprio.
- Então mas isto funciona assim? Eu chego aqui, digo que não fui eu e a polícia acredita e arquiva o processo? Eu julguei que as coisas não funcionavam bem assim. Julguei que a palavra do acusado não era assim tão tida em conta.
- Sabe que isto também nos ensinam a confiar no instinto.
- Pois... Estou a ver...
- Desculpe lá a maçada mais uma vez e boa tarde.
- Adeusinho...
E pronto. Foi isto. Assim sem se perceber bem porquê este processo foi arquivado com o motivo "matrícula falsa". Pensando bem, é reconfortante saber que, no que concerne à polícia, existe um outro Honda Civic igualzinho ao meu com a matrícula falsa a circular por aí. Amanhã vou para a Figueira da Foz e acho que vou abastecer e sair sem pagar. Ah! E vou passar na via verde sem ser aderente, também! E quando me convocarem outra vez basta dizer:
- Então mas os senhores têm um processo arquivado com a informação de que existe um carro igual ao meu com a matrícula falsa e ainda me andam a chatear com isto? Descubram mas é quem é o bandido, pá!